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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Os Dói-dóis dos Doidos: uma reflexão sobre o amor e as leis dos homens...

O amor é uma coisa estranha, um sentimento que desafia a descrição, à margem da ciência, da lógica, da razão e de todo o empirismo do mundo. Move montanhas, mobiliza exércitos, arrasa previsões e altera as nossas vidas, para o bem e para o mal - gosto de pensar nele como um corte de papel: de fora ninguém percebe porquê tanto alarido, mas nós sabemos bem o quanto está a doer (e porque tudo parece bater na ferida...).

Hoje, como é feriado, acordei a boas horas para poder reflectir sobre este e outros temas, sentindo-os ressaltar aqui no crânio à espera de uma epifania, mas sem grande sorte... Entretanto, numa abordagem marcadamente mais optimista que o habitual, pensei que por mais complicado que tenham sido os meus relacionamentos, ao menos nunca tive de os esconder do mundo - sempre pude, despudoradamente, ostentá-los, de forma a que depois os seus falhanços fossem, também, infelizmente, do conhecimento geral...

Ainda assim, e como diz a sabedoria popular, pela boca sempre sábia de um ogre verde, "Maix vale xoltar que guardar...", e quem sou eu para questionar os aforismos de uma criatura de ficção?

Daqui por dias, ou se calhar ainda hoje, que eu quando não estou a trabalhar baralho muito as datas, um governo que se diz o mais livre e democrático do mundo vai, pela 2ª vez, a votos para combater, nas suas forças armadas, a discriminação baseada na orientação sexual, sob a campanha "Don't Ask, Don't Tell" (algo como "Não Perguntes, Não contes").

Este princípio, datado de '94, proibia as autoridades militares de iniciarem qualquer investigação sobre a eventual homossexualidade de algum dos seus membros, ao mesmo tempo que proibia os militares de partilhar, admitir ou demonstrar publicamente que o fossem - agora Obama quer acabar com estas restrições, emendando o princípio para uma total descriminilização da preferência sexual.

Pode parecer uma coisa pequena, quase insignificante, pelo menos para os mais tolerantes, mas é um facto que num meio fechado, machista, sexista (apesar de já haver mulheres há umas dezenas de anos) e tradicionalmente androcêntrico, a homossexualidade é, amiúde, brutalmente reprimida e silenciada.

Vêm à memória casos de espancamentos, nos anos 80, dados como "lições" a militares da marinha americana, alguns levando a homicídios violentos, por partes de colegas de armas que se sentiram indignados pelas escolhas sexuais dos seus companheiros de camarata. Outros houve que ocorreram por razões passionais, e alguns ainda que levaram a mal a rejeição por parte de marinheiros com a mesma orientação e resolveram silenciá-los.

Quando casos como estes chegam aos ouvidos do público em geral, já os gabinetes de imprensa militares falharam há muito; há indicações que apontam para que apenas 1 em cada 100 casos sejam reportados para fora, ainda que menos de 5% resultem em mortes. Mesmo assim, cinco mortes em cada cem não deixam de transparecer uma situação preocupante, ainda que não oficialmente.

Eu gosto de pensar que, independentemente da nossa orientação sexual, somos seres humanos com opiniões, desejos, vontades, objectivos, ambições e capacidades criativas, profissionais e literárias, dignos de admiração e respeito, desde que a nossa conduta o permita. Mas não sou ingénuo ao ponto de acreditar que uma questão de fundo como a preferência de companhia íntima possa ser tão indiferente a todos como a da inclinação musical.

Imagino que alguns machos-alfa sintam os orifícios naturais ameaçados enquanto dormem, ou tomam duche, com um perigosíssimo e potencialmente bem apessoado colega na cama, ou chuveiro, do lado... Mas realmente, em que é que isso os aflige, quando se trata de confiar no homem mais próximo e as balas zunem com o nosso nome gravado, quando a nossa vida pode depender do soldado que partilha com ele a trincheira...?

Quer consigam passar a lei, (que vem dar a todos os militares americanos o direito a assumir a orientação sexual), quer não, o facto é que a discussão que levou a este ponto foi tão ou mais esclarecedora do que anos de segredos escondidos e mentiras debaixo de tapetes metafóricos. Ficou a saber-se quem era homofóbico, quem queria "sair do armário", quem achava que o exército passava bem sem alguns profissionais, e quem fugiu do serviço militar para sobreviver à humilhação - e é mesmo conversando que as coisas se tornam claras, que os consensos se encontram e que as verdades deixam de ser embaraços e passam a abraços (cuidadosos, e a uma distância cautelosa abaixo da cintura, mas abraços ainda assim...).

E o que tem toda esta verborreia a ver com paixão e amor? Tudo. 

Nos EUA, temos um governo a tentar mover montanhas processuais, mobilizando milhões numa cruzada de aceitação como não se via desde os primeiros passos do movimento feminista, no Sec. XIX, ou dos direitos civis nos anos 50-60, pela integração racial - no fundo, o amor de um homem por outro, ou de uma mulher por outra, tornou-se tão importante que teve de se fazer uma lei para se escrever, preto no branco, que já não há que ter vergonha em ser humano, independentemente de quem acorda na cama ao nosso lado.

Haverá maior prova que o amor comanda o mundo? (inserir sorriso cínico aqui) 

E de repente, em comparação, as tampas da minha vida já só parecem caricas... ;)


Village People - In the navy (version originale)
Enviado por scorpiomusic. - Veja os últimos vídeos de música em destaque.

3 comentários:

  1. De facto, apesar de nos encontrarmos tão avançados tecnologicamente e cientificamente, não deixa de ser curioso verificar que, mesmo após séculos e séculos de secretismo sobre a homossexualidade, a mesma continue a ser objecto de grandes discriminações.
    Temos ainda um longo e sinuoso caminho a percorrer quanto a crenças e fobias sobre a orientação sexual, para que, posteriormente, denúncias de violência doméstica entre casais homossexuais (imagino o choque desta informação para milhares de portugueses), também possa ser alvo de estratégias de intervenção/prevenção.
    No entanto, como pedirmos para que reconheçam problemas tão "secundários" (note-se o tom de ironia) como este, se diversas pessoas se sentem obrigadas a manter relacionamentos com companheiros(as) do sexo oposto, apenas porque a sociedade obriga a isto! E haverá quem me responda que a sociedade a nada obriga... pois claro! Se esquecermos, que em pleno século XXI, há quem considere que o papel social da mulher, mesmo que contemple uma vertente profissional, JAMAIS deverá descuidar os seus deveres como mãe, esposa.. e claro, empregada doméstica (ou fada do lar, em linhas mais ténues para os mais sensíveis). Se esquecermos também, que entidades patronais continuam a preferir contratar um homem em detrimento da mulher (pois não se esqueçam que é seu dever encher a família de orgulho com pequenos rebentos - e não, não são os de soja), então poderemos crer que não existe nenhuma obrigação societal para que um homem ou mulher tenham de constituir agregado familiar com um ser do sexo oposto (mesmo que isso leve a uma vida de infelicidade, tanto para si como para o outro).

    Enfim! É triste sabermos que jovens de 20, 30 anos se suicidaram pois não aguentaram a pressão das namoradas/noivas, para que assumissem (abertamente, pois acho que apenas progenitores cegos não suspeitariam, mas claro que o confronto seria impensável sendo que, destruiria toda uma imagem, adivinhem só, no meio onde residem)perante a família a sua homossexualidade.
    Posto isto, e num tom menos indignado, concordo com o meu géniozinho, no que respeita à "simplicidade" das nossas relações, que nos permitem fazer demonstrações de amor e carinho em locais públicos, sem corrermos o risco de levar com um belo pedregulho na rua (ou apenas olhares de nojo e reprovação), sem contar com o medo de sermos descobertos e aí sim, o dia D, o "Confronto final", ser inevitável e passarmos a ser rejeitados por todos os que (julgávamos nós) nos amavam incondicionalmente.

    Beijinhos, agora com um toque menos introspectivo*

    Ass. Raquel (Dory ou peixinho azul também servem)

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  2. Tal como tu dizes e muito bem, o amor é uma coisa estranha!! Ninguem está a salvo deste terrível virus, pois, mais cedo ou mais tarde todos serão atingidos nem que seja uma única vez na vida, independentemente dos seus credos, raça, sexo...não há antídoto que nos salve!! Amor, uma palavra que pode ter inúmeros signficados, que se pode expressar das mais diversas formas... no fundo, um vínculo emocional que nos prende à pessoa amada, para mal, ou bem dos nos pecados!!

    De lamentar que em pleno séc XXI, onde de facto a tecnologia avança à velocidade da luz, a pequenez humana continue no seu auge e a marcar território através da discriminação da orientação sexual de cada um, já para não falar da discriminação religiosa, racial...etc...Infelizmente a sociedade parece ter parado no tempo...continua castradora, inquisidora, falsa moralista e hipócrita!! Onde na realidade o “expressar o amor” que parece um conceito tão bonito, romântico e toda a sociedade “aplaude”...pode ser de facto expressado, mas dentro de portas...não se vá dar o caso de ferir susceptibilidade alheia!! O que fazer então com a dita “liberdade de expressão” e “livre arbítrio” que tanto apregoamos?!

    Parabéns Tito, mais um excelente post!! Muito gostas tu de colocar o dedo no dói-dói!! Beijo tamanho do mundo ;)

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  3. Village People, que porreiro! Adoro os Village People.

    Quanto ao Amor, quem sou eu... Sei que é uma das forças mais poderosas do Universo, daí tudo, possa ser possível.
    Relativamente à homossexualidade nos exércitos de todo o mundo, é uma questão tabu, aliás como na sociedade em geral. Tem a particularidade de ser ainda mais tabu porque nas forças armadas, existe uma mentalidade dominante, a do homem-machão e da barba rija, algures entre John Rambo e Chuck Norris.
    Claro que na Marinha, esse assunto ganha especial relevância, pois todos aqueles meses no mar, todas aquelas hormonas de jovens com o sangue na guelra, são potenciadores de trocas de mimos entre camaradas de armas.
    Por exemplo os árabes, que são dos povos mais machistas do planeta, de tal maneira que em muitos países a mulher nem ter figura jurídica, entre eles, no recato de um sotão, se esfreguem uns aos outros.

    O mundo é hipócrita, então nas relações sociais, a coisa eleva-se ao cubo.

    Abraço.

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